quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Capítulo 01 - Parte 02

Quando deu por si estava sendo amparado por Conceição e Fernanda. Esta última era uma colega que há pouco mais tempo freqüentava o local também em busca de respostas para suas incontáveis perguntas. Uma de um lado e outra do outro o levavam pelos braços.

Saíram do salão. Elas o colocaram sentado sobre uma cadeira na pequena sala que antecedia a sala grande. Todos estavam em volta olhando e se apertando. Não havia mais tambores retumbando. Todos haviam voltado ao normal. Tinham saído do estado de transe e possessão.

Tomou fôlego. Estava molhado de suor. Os cabelos grudados no pescoço. Os braços suados molharam a tábua azul da mesa. Sentiu-se incomodado pelo próprio suor sobre a madeira.

Fernanda percebeu e saiu para buscar uma toalha sem nada dizer.

Conceição sentou-se do lado direito da mesa à sua frente.

— Você está bem? — Perguntou.

—Não sei. Estou zonzo e confuso. Não sei explicar.

Curiosos, os outros queriam vê-lo de perto.

—Vamos dar-lhe espaço, ele precisa respirar. — Disse a líder espiritual. Em poucos instantes Fernanda voltou com uma toalha branca, limpa e cheirosa, ao ponto de lhe chamar a atenção.

— Que cheiro bom! — Exclamou ainda recuperando a respiração.

— É que a rouparia daqui tem que ser limpa e bem cuidada, — disse Conceição. — Essa toalha não é do nosso uso, mas como não temos outra, e levando em consideração o seu estado de cansaço, vamos abrir uma exceção para que você se enxugue com esta.

Sem querer saber para que servisse aquela toalha, tomou-a das mãos de Fernanda e enxugou o rosto e o cabelo. Estava molhado. Enxugou os braços e passou a toalha mesmo sobre a camisa que estava grudada no corpo. Sentiu alívio.

— Menino, o que foi tudo aquilo que aconteceu? — Perguntou admirada Fernanda.

— Menina! — Exclamou repreendendo Conceição.

— Por quê? O que aconteceu? — Quis saber Sanz enquanto passava a toalha pelo rosto.

Fernanda, empolgada, tentou começar uma explicação, mas foi secamente interrompida por Conceição.

— Olha meu filho, — disse ela —, você deve estar buscando uma resposta daquelas bem difíceis de se encontrar. Todos aqui, geralmente quando chegam, vêm em busca de uma resposta. Com o tempo acabam se esquecendo e se distanciando deste objetivo, e passam a dar prioridade a outras coisas da vida. Mas você, como dizem, veio com muita sede ao pote...

— Por que a senhora está me dizendo isto? Fiz algo de errado? — Indignou-se.

— Não. Absolutamente, — respondeu. — Mas o que vi hoje vai me obrigar a ter mais cuidado com você. — Disse a mãe-de-santo levantando-se ao passo que se apoiava com a mão esquerda sobre a mesa para ajudar o pesado corpo. — Prepare um banho para ele e o leve até o local. — Ordenou ela à sua ajudante mais experiente, Nadir. — Ensine-o como se banhar e deixe-o só. — Falou caminhando para a pequena sala das consultas espirituais.

Nadir, sem dizer palavra obedeceu e saiu. Várias mulheres e moças se sentaram ao redor da mesa. Fernanda sentou-se no lugar onde Conceição havia sentado. O seu característico rosto sorridente deixava ressaltar os grandes olhos negros. Eles brilhavam enquanto ela o olhava com ar de euforia.

— O que foi? — Perguntou estranhando tanta animação.

— Quero que você conte para nós o que aconteceu. — Disse Fernanda.

Sanz olhou em volta. Ele não era do tipo galã de novela. Deduziu que as mulheres estavam mesmo querendo saber sobre o ocorrido no salão. Rebuscou momentaneamente a memória. Não conseguia se lembrar dos detalhes.

Na outra ponta da mesa estava sua musa inspiradora, Josi, que lhe inspirava poemas e canções, desenhos e pinturas nas paredes do quarto. Ela era alta, morena clara, cabelos longos e cacheados, os olhos verdes realçavam a juventude e aumentavam sua beleza. Seria, para ele, a mulher perfeita, se não fosse casada.

Ela também o olhava com ar de euforia e curiosidade. Aliás, a curiosidade era peculiar a todas as mulheres que rodeavam a mesa naquele momento.

Pensou brevemente. Concentrou-se no que ocorrera dentro do salão pouco tempo atrás.

— Não consigo me lembrar. — Disse rebuscando a memória.

— Também pudera. Você realmente estava em outro planeta, mas estava muito bonitinho. — Disse Fernanda entre risos. Todas riram.

— Como assim... — Estranhou. — Estou acabado. Não consigo parar em pé.

— Você ficou muito esquisito. — Disse Fernanda. — As palavras que você falou para Conceição chamaram a atenção de todos os que não estavam girando e trabalhando. Não me lembro de alguém ter falado no mesmo tom com ela desde que cheguei aqui.

— Eu não sei o que disse... o que eu disse? — Quis saber.

— Foi uma confusão só. — Respondeu Fernanda.

— Foi profundo... — Josi acabara de entrar na conversa. — Não entendi direito, mas você falou mais do que a nossa mãe quis escutar. — Disse pensativa.

— A Josi está inspirada gente... — Brincou Fernanda.

As mulheres também se secavam do suor. Estavam cansadas, conversavam misturadamente. O som de suas vozes se confundia dentro da cabeça de Téo. Estava cansado e queria sair dali.

Nadir chegou para conduzir-lo ao banho. No caminho para o local que ficava há uns vinte passos fora da casa, para dentro da grande floresta e para o lado do pôr do sol, ela lhe falou sobre o banho que fora preparado.

— Este é um banho de ervas para que você se recupere melhor. Seu corpo, sua mente e seu espírito foram fortemente confrontados hoje e você esteve diante da sua realidade...

— Minha realidade? — Interrompeu.

— Sim. — Respondeu caminhando. — Mas não sou eu quem vai falar sobre isto para você, então, preste atenção no seu banho, porque é um banho simples, que você terá que tomar da forma correta.

— Sim. — Concordou.

— Imagine uma luz branca quando for tomar o banho. Feche os olhos e busque esta luz. Quando imaginar, eleve a água do banho com a vasilha sobre a cabeça e despeje vagarosamente. Só isso. — Nadir riu baixinho.

— O que tem na água desse banho? — Perguntou.

— Cogumelos alucinógenos, pernas de aranha, olho de sapo e cabelo de uma velha morta... — Disse Nadir escondendo o riso e explicou: — São ervas. São cinco tipos de ervas, mas não vou revelar os nomes, ou então passarei a não ter mais utilidade nesta casa. — Sorriu novamente.

A mata estava escura. Meio trêmulo pelo frio, Sanz ouvia a confusão de vozes das mulheres dentro da casa. Vasilhas de alumínio eram batidas no preparo do lanche. Alguns risos e muitas vozes.

O jornalista fechou os olhos tentando se acalmar. Não podia. Quando os olhos serraram sentiu a sensação do puxão que levou no braço dentro do salão. Foi uma sensação verdadeira. Não podia ser uma ilusão da sua mente. Ele verdadeiramente sentiu o puxão. Estava pensando nisto agora.

— Eu consigo sentir o vento que sopra. Sinto-o frio, quente, úmido ou seco. Mas não consigo ver o vento. Se for um vento forte ele pode me arrastar; pode me jogar para o alto ao seu bel prazer; pode me derrubar no chão e pode me matar. Será que o que eu senti dentro do salão hoje foi algo parecido com o vento? Será que foi o próprio vento? — Questionava-se tentando entender.

Téo Sanz, por mais que tentasse, não conseguia se livrar da mania investigativa que adquirira enquanto levantava informações para a construção de boas matérias na Redação do jornal. — Espiritualidade é uma questão de acreditar. Eu preciso acreditar nisto, porque enquanto tentar encontrar explicações lógicas para esses acontecimentos, vou perder o meu tempo e meu desenvolvimento espiritual poderá se comprometer. — Resmungou consigo mesmo.

A água escorreu quente sobre sua cabeça; desceu pelo corpo e ele pode sentir o forte cheiro das ervas. Respirou fundo. E a cada derramada de água ele respirava fundo e compassadamente.

Instantes depois um galho seco estalou no chão. Assustado Sanz olhou na direção do barulho e teve a impressão de ver um vulto passando rapidamente para se esconder atrás das árvores. Tudo estava escuro e pouco podia ver. As vozes das mulheres continuavam a fazer barulho dentro da casa. Seus olhos se arregalaram. O coração disparou. Ficou olhando sem sair do lugar.

Quando procurava o vulto na direção do barulho ocorrido há pouco, sentiu um vento frio atrás de si, na altura da cintura para baixo. Ouviu, totalmente imobilizado pelo pânico, um riso baixo, entre os dentes, demoníaco, no seu encalço.

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